sábado, 19 de janeiro de 2013

Monte Amagoi e os Três Montanheiros

Depois de admirar a paisagem de outono nos Alpes japoneses era hora partir para as montanhas de Suzuka com a mesma finalidade. Optei pela escolha de uma montanha nova para mim e o escolhido foi o Monte Amagoi, ou Amagoitake em japonês. Com 1238 metros o Monte Amagoi é a montanha mais alta dessa cadeia e a única montanha fora da província de Mie, ficando na província de Shiga atrás das demais montanhas que estão enfileiradas. Apesar de ser a mais alta ela é também a de menor proeminência, pelo fato de estar em uma área cercada de montanhas.

Já desacostumado a escaladas solo resolvi convidar Frank, um colega de trabalho que já havia manifestado o desejo de conhecer essas montanhas, de início ele ficou com um pé atrás e depois se queixou que não possuía tênis nem acessórios para esse fim, coloquei a disposição o que eu possuía e o aconselhei a não comprar um tênis para uma única subida, se gostar e quiser subir outras vezes compra, economias à parte ele pretendia escalar com um Allstar, uma verdadeira loucura, mas preferi nem interferir para não perder a companhia.

Na semana da escalada quando discutíamos os detalhes, Lord também se interessou pela aventura, ele estava interessado em escalada em rocha, porém acabou gostando da ideia de conhecer o interior de uma montanha. Na véspera eu estava crente de que eles não iriam e já me preparava para mais uma escalada solo, então recebi uma mensagem de Lord onde ele enviou a foto de um tênis que havia comprado, só então percebi que a coisa era séria. No final seria uma verdadeira aventura, eu guiando duas pessoas que nunca subiram uma montanha antes, em uma montanha onde nunca havia pisado.

No dia marcado passei para pegar os dois e seguimos para a montanha, o trânsito atrapalhou um pouco e chegamos na entrada da trilha quase uma hora depois do programado, no caminho mostrei-lhes um mapa e expliquei que havia traçado aquela rota para subir sozinho e que seria puxado para eles, então eu tinha um plano B, subir e descer pela mesma rota que além de ficar mais curta evitaria surpresas no caminho de volta. Quando estacionamos o carro uma placa indicava que estávamos a mais de 800 metros, então eles ignoraram o meu plano B e disseram se é só subir isso vamos cumprir a rota, óbvio que não sabiam o que teriam pela frente.

Adentramos na trilha em um ritmo muito menor do que estou acostumado, porém com um trecho um pouco íngreme logo eles estavam pingando suor. Sugeri ir mais devagar e que eles pedissem para parar caso necessário, mas se fizeram de durões e mandaram seguir assim mesmo. Em um trecho com o caminho estreito e piso úmido a terra cedeu e eu quase fui ribanceira abaixo, consegui me agarrar nas raízes de uma árvore sendo em seguida socorrido por Frank, surpreendidos com o ocorrido só faltou eles pedirem para voltarmos, porém seguimos em frente.

Na sequencia seguimos por um pequeno vale fazendo aquele cansativo zig-zag por mais de 1 hora até que chegamos em um vale maior que se dividia em 2, paramos pra descansar um pouco e prosseguimos pela rota da esquerda. Enfrentamos alguns trechos íngremes e escorregadios onde recorríamos ao auxílio de cordas, eles já estavam exaustos quando saímos da mata  e encontramos algumas pessoas que já estavam descendo, o objetivo estava próximo, porém uma rampa íngreme e direta era um obstáculo até o cume.

Iniciamos aquele trecho em um ritmo constante e na metade eu mesmo estava de língua de fora, mas em trecho como este não se para, se segue firme para não desanimar. Enquanto Lord ficou um pouco pra trás, Frank vinha até se encostando em mim, quando percebi que sem saber controlar o ritmo ele estava se agarrando aos capins laterais quase com a cara no chão. Depois de ouvir queixa dos dois durante esse trecho todo enfim dei-lhes a boa notícia, chegamos!

Na verdade havíamos chegado no meu plano B, o Monte Amagoi possui 2 cumes, o principal e o cume leste 18 metros mais baixo, estávamos no leste e meus plano era descansar e comer neste local, porém um forte vento tornava a coisa meio desagradável, consultei os dois se não seria melhor seguir para o outro cume onde ainda teríamos que atravessar uma crista, eles concordaram em atravessar mas não sem antes descansar, bom enfim comemos ali mesmo.


Depois de agasalhados para suportar o vento cozinhamos no caminho para o outro, era impressionante como aquele forte vento assolava somente um pedaço da montanha, quando chegamos ao cume principal algumas pessoas descansavam e comiam no local que não batia vento algum. Enquanto conversávamos um homem perguntou se eramos brasileiros, reconhecendo que falávamos português ele disse que já havia ido ao Brasil a trabalho e até comentou conhecer as montanhas de Serra Negra e Campos do Jordão, comentando inclusive que essas regiões além de lindas, não possuíam lixo algum, confesso que fiquei confuso se era um elogio ou uma crítica pelo resto do Brasil ser tão sujo.

Depois de um breve descanso era hora de descer, eles sugeriram que seguíssemos a rota original, porém ciente de que eles enfrentariam problemas físicos na descida mantive o plano B. Sempre é assim com iniciantes, se preocupam com a subida e esquecem da descida que com o cansaço e o impacto nas pernas acaba sendo mais difícil que a subida. Com eles não foi diferente, Lord reclamando de dor nos dedos que estavam sendo esmagados na descida pelo fato do tênis estar muito justo, Frank reclamava de tudo e ainda tinha que suportar o seu Allstar ensopado.

Tirando os problemas habituais, eles suportaram bem a descida e quando chagamos ao estacionamento ainda brilhava um sol radiante. Na volta a minha proposta era de parar em um Onsen para tomar um banho, mas no final eles preferiram ir embora, brasileiros ainda tem vergonha de frequentar esses lugares ainda mais quando seus companheiros são seus compatriotas, mas tudo bem, espero que esta seja a primeira de muitas montanhas juntos e oportunidades não faltarão.


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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Monte Ontake - Mosaico de cores no coração dos Alpes

Passada minha escalada ao Monte Fuji eu já conseguia visualizar para o próximo ano novas subidas nos 3000+ japoneses, só não esperava que isso se concretizasse no mês seguinte. Depois de um cancelamento de última hora devido ao mau tempo nas montanhas de Suzuka eis que surge a oportunidade de subir o Monte Ontake, um vulcão adormecido localizado na província de Nagano na parte central do Alpes Japoneses.

Como programado partimos eu e Choke da província de Mie para encontrar o pessoal da província de Aichi e seguir viagem até uma parada na estrada onde passaríamos a noite. Com poucos integrantes desta vez, éramos cinco em 2 carros e um se juntaria a nós pela manhã, pousamos no carro de forma aquecida e confortável. Madrugamos no dia seguinte e logo o 6º elemento se juntou a nós e partimos rumo ao vulcão.

Subindo pela estrada avistamos alguns macacos que gritavam de forma agressiva mostrando que os visitantes não eram bem-vindos. Logo chegamos ao estacionamento que recebia um bom número de veículos, porém poucos montanhistas estavam no local. Tomamos um café da manhã as pressas, nos aquecemos, seguimos o protocolo de auto-apresentação e explicações sobre a subida e adentramos na trilha.

A rota foi iniciada no 6º estágio a quase 2000 metros de altitude, no inicio a vegetação densa ainda apresentava altas árvores que foram diminuindo. Neste trecho a subida fluía tranquila com poucas pessoas pelo caminho, aos pouco a vegetação foi ficando baixa e conforme nos aproximamos do 7º estágio o fluxo de pessoas se tornou intenso devido ao fato de um teleférico chegar até aquela parte da montanha.

No 7º estágio já fora da mata encaramos a bela imagem limpa do vulcão, inclusive nessa altura muito mais belo que o famoso Fuji, o lugar mais parecia um parque com centenas de pessoas variadas, idosos, crianças que iriam apenas até este ponto para observar o koyu, a vegetação tingida em tons de vermelho e amarelo. Neste trecho aproveitei para utilizar o banheiro, e na saída Chamonix me perguntou se eu havia depositado uma moeda na caixinha, respondi que nem havia reparado que o banheiro era pago, então ela me mostrou um cartaz e pasmem, o dinheiro era para que os dejetos fossem tragados via helicóptero, como um aspirador de merda gigante.

A partir desse trecho a trilha fica bem parecida com a do Monte Fuji, tanto em solo quanto em dificuldade, a diferença é o belo mosaico de cores formados pelos arbustos nessa época do ano. O tempo estava meio nublado e a temperatura agradável, até que um forte vento começou a soprar e obrigou a todos a se agasalharem melhor. Desta vez novamente Taro acompanhou as mulheres mais atrás e eu e Choke puxamos o ritmo lá na frente, sempre segurando um pouco para não perder contato com os demais.

Sem dificuldade chegamos ao último estágio e fiquei até surpreso com o bom preparo físico de meus companheiros. Logo avistamos o lago Nino, próximo de 3000 mil metros de altitude esse é o lago situado em um ponto mais alto do Japão, com neve perpétua em seu fundo o lago mostra uma beleza exuberante com sua cor intensa, impossível de conseguir captar com as lentes de uma câmera. Mais alguns metros pra cima e lá estávamos nós nos 3067 metros do cume.

Um bom número de pessoas estavam presentes no topo que a exemplo de outras montanhas japonesas também possui um Santuário Xintoísta. Fizemos a tradicional foto do cume e nos preparamos pra almoçar ali mesmo, e assim com uma temperatura pouco agradável e um forte cheiro de enxofre fizemos nossa refeição com direito até a quiabo cru, já estou até me acostumando com a alimentação exótica desse povo na montanha.

Depois de 40 minutos lá em cima iniciamos a descida, onde tomamos um desvio na rota rumo ao lago Nino, eu não resisti e mesmo sendo alertado para não fazer experimentei um pouco da água do lago, que lembrou um pouco o sabor de água de poço, Chamonix fez o mesmo e levou uma bronca do líder por beber uma quantidade demasiada, mais pra frente levou outra chamada por experimentar uma frutinha com aparência de Blueberry, que segundo ela era amargo ou seja um provável veneno.

Seguimos a passos firmes para baixo e passando o 7º estágio que a essa hora estava lotado, pegamos até congestionamento na trilha, o que retardou um pouco a descida, porém não o suficiente para atrapalhar nossa previsão. Antes do regresso o tradicional banho de onsen em um hotel da região que é muito famosa pelas propriedades de suas águas termais. Na volta mesmo exausto tive que encarrar mais de 3 horas ao volante, uma vez que Choke em piores condições que eu, me pediu o favor de conduzir o seu veículo, e sem nenhum contratempo regressamos conforme o previsto.


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sábado, 12 de janeiro de 2013

Monte Fuji - Escalada Diurna

Depois de ter passados muitos apuros no ano passado, quando comprei um tênis  uma mochila e parti sozinho pra desafiar a maior montanha do arquipélago, esse ano procurei me programar melhor, pensei em participar de uma excursão, porém subir com um clube de montanhismo parecia mais excitante. O Suzuka Hiking Club ou Suzuhai como eles costumam chamar, me aceitou nessa subida e a proposta era de uma escalada sob a luz do dia, ao contrario do que a maioria das pessoas fazem.

Sem tempo para treinamento em montanha optei por caminhadas em terreno acidentado dentro da cidade, que começou com 5 km sem adição de peso e terminou com 12 km e 9 kg nas costas. Isso me deixou confiante pois meu maior medo era não conseguir acompanhar pessoas mais experientes. A escalada foi marcada para o inicio de setembro, quando já havia terminado a alta temporada que é entre julho e agosto, depois todo o suporte que se tem na montanha como banheiros, abrigos e comida se encerram e apenas pessoas acostumadas à vida em montanha se arriscam a subir.

Sete pessoas do grupo se inscreveram para a subida, sendo 4 delas da província de Mie, incluindo eu, e mais 3 da província de Aichi. Como programado nos encontramos em Mie no final da tarde de um sábado e partimos para Aichi para pegar do resto da turma, nos acomodamos em um veículo grande pilotado por Nao e seguimos viagem apenas com uma pausa para o jantar, onde sentamos todos na mesma mesa e pudemos nos conhecer melhor, eu ainda contando com a ajuda de Gabi para traduzir o que eu não entendia.

Já passava das 23:00 quando chegamos ao 5º estágio que seria nosso acampamento base, o número de veículos e barracas superou nossas expectativas e tivemos que parar um pouco mais abaixo. Sem muito blablabla armamos a barraca e enquanto eu observava o céu mais estrelado que já presenciei todos já haviam se recolhido. Para dormir nos separamos entre Homens e Mulheres, eramos 3 e ficamos com uma barraca apertada ao qual eu ainda fiquei com o espaço do meio esticando sua lona com a cabeça e os pés.

Demorei a conseguir pegar no sono, diferente do camarada à minha esquerda que em 5 minutos ligou uma moto-serra que duraria a noite toda. Coloquei o fone no ouvido e ao som de Saxon a noite ficou mais tranquila, porém um grande número de veículos que circulavam pelo local sempre iluminavam nossa barraca com seus faróis e dormir mesmo parecia impossível. As 4 horas o despertador tocou e me levantei com uma dor de cabeça de ressaca, com uma noite daquelas eu ficava imaginando como seria subir a montanha naquelas condições, porém em 15 minutos eu estava bem, tomei o café da manhã com direito a um bolo preparado por minha esposa, me aqueci e aguardei o momento da subida.

O relógio marcava 5:15 quando inciamos a subida com o céu alaranjado apontando no leste, e logo o astro rei deu o ar da graça deixando a paisagem ainda mais bela. No sentido contrário a impressionante imagem da sombra da silhueta da montanha refletida nas nuvens. Nesse momento estávamos todos empolgados e subindo em um ritmo forte, porém em um grupo de 7 pessoas dificilmente manteríamos aquele ritmo. O líder Taro ficou pra trás dando suporte as pessoas de ritmo mais lento, Nao ficou encarregada de puxar a fila lá na frente e eu procurei acompanha-la.

Pelo Monte Fuji ser a montanha mais famosa do Japão durante a trilha você vê de tudo, idosos, crianças, estrangeiros, pessoas fantasiadas, e dentre tantas pessoas encontramos o Sr. Sasaki, que confesso que na hora eu não sabia quem era, esse senhor de 73 anos detém o recorde de escaladas na montanha, em 2012 ele quebrou a barreira de 1000 subidas até o cume e ganhou destaque na imprensa japonesa com a chamada "Monte Fuji todo dia", pelo fato de há 10 anos ele subir todos os dias durante os meses de maio a outubro, simplesmente incrível.

Nao mantinha um ritmo alucinante e confesso que acompanha-la não foi uma tarefa muito fácil, a vantagem de subir rápido é que a cada parada podíamos descansar mais tempo enquanto aguardávamos os outros. Próximo do topo encontramos uma mulher sozinha quase desmaiada, algumas pessoas disseram que seu companheiro a deixou ali e seguiu para o cume, nessa hora me coloquei na pele dela e fiquei imaginando como é sofrível estar a mais de 3500 metros de altitude como um bêbado jogado na sarjeta. Esse momento também me fez refletir sobre a sede do cume, o que leva uma pessoa a abandonar outra em estado de inconsciência e rumar monte acima apenas para satisfazer o ego. Ajudamos ela a se restabelecer e outra pessoa que também estava sozinha se prontificou a acompanha-la.

Apesar de a escalada do Monte Fuji ser tecnicamente fácil os últimos 100 metros são sofríveis, uma mescla de cansaço com o terreno íngreme que se torna duro e emburacado nesse trecho. Desta vez a altitude não foi minha inimiga e junto com Nao atingi o topo e novamente repeti o que havia feito um ano atrás  me dirigi ao portal que se encontra em frente ao Santuário Oku encostei a cabeça nele e agradeci aos Deuses por me darem permissão de estar ali novamente.

Aguardamos uns 10 minutos na saída da rota até que o restante do grupo se juntasse a nós, alguns muito cansados, porém com a expressão de satisfação e dever cumprido. Caminhando ao redor da grande cratera adormecida avistamos o Pico Kengamine, o ponto mais alto da montanha, parece um morrinho pequeno mas são mais 60 metros pela frente. Taro puxou a fila e eu o acompanhei, foi um trecho muito difícil, afinal depois de 6 horas de subida encarar aquilo em uma tacada só não é pra qualquer um.

Chegamos na frente e ficamos aguardando o restante, quando chegaram ao cume dei um abraço para parabenizar Gabi, já acostumada com estrangeiros ela me abraçou com naturalidade, as outras mulheres do grupo também aceitaram um abraço e compartilharam entre elas, os homens meio que sem jeito apenas observaram e sorriram, outros presentes também nos observavam com curiosidade, isso não é comum entre eles e percebi que aquele momento ganhou um toque especial.

Com o tempo perfeito pudemos observar a longínqua paisagem e descansar no ponto mais alto, finalmente eu havia pisado ali, já ter chegado no topo pra mim era especial, porém estar naquele ponto era a cereja do bolo. Enquanto descansava e observava comecei a refletir sobre minha jornada de 1 ano até voltar ao Fuji, as outras montanhas que subi, todo o meu treinamento e minha experiência que fizeram com que essa segunda escalada fosse perfeita.

Depois do descanso vem a pior parte, descer a montanha, eu detesto a descida, além de não ter mais um objetivo como o cume ainda acaba com os joelhos. Apesar da baixa temperatura o sol castigava e procurei descer o mais rápido possível, mas não o suficiente para acompanhar Nao que sozinha disparou na frente, Taro continuou a dar suporte aos mais cansados e eu e Gabi seguimos juntos conversando em portunhol, ela não gosta de falar espanhol quando os outros japoneses estão juntos e nessa hora ela aproveitou para tagarelar.

Na descida paramos menos e em uma das paradas encontramos um pai com os 3 filhos pequenos que também haviam feito cume, o mais novo tinha apenas 6 anos e parece já ter nascido pra isso. No 6º estágio encontramos com Nao e aguardamos um bom tempo até que os outros aparecessem, dali em diante descemos juntos, paramos no 5º estágio para comprar souvenires e voltamos para o carro para seguir viagem para casa, não sem antes parar em um onsen no pé da montanha e relaxar com um belo banho em águas termais.


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